domingo, 23 de setembro de 2012

Conto por Monja Coen

(...) ele chegou e se insinuou em seu coração. de frio, o sangue jorrou quente, pareciam cascatas nas veias, no coração. apaixonou-se, entregou-se, perdeu-se. depois, ele se foi. ela começou a procurar. só que não procurava por ele, mas procurava por ela mesma. onde teria estado? quem era? o que queria? o que é a vida?

quanto mais questionava, mais se enredava. como se comesse a própria cauda, girava em torno de si mesma. repetia padrões e ações. amava e desamava mais facilmente que todas as amigas. sofria, enciumava, brigava, ficava só e chorava. depois tornava a se arrumar, a sair, a procurar.

um dia aconteceu. quando menos esperava, percebeu o sonho em que se enredara. parou de procurar em outras pessoas aquilo que só nela encontrava. ficou tranquila de tudo, sorrindo de novo pro mundo. já não se importava de engolir sapos. tudo fazia parte desse perceber profundo.

a respiração, o ar, o corpo, os odores e o mar. falou sobre reencarnação. falou do renascimento. contou do mar e suas ondas, das águas que são gotas a girar. gotas que formam marolas, ondas enormes, espuma e tornam a voltar a ser mar. sem nunca haver deixado de se-lo.

qual seria o princípio, o início, a causa número um desse constante desabrochar? como Xaquiamuni Buda, ela soube silenciar. dedicou-se a cuidar das pessoas, das coisas, dos animais, da terra e dos vegetais. cuidava dos passarinhos, dos cupins e dos golfinhos. todos eram exatamente iguais.

importantes pois que, sendo, permitiam que ela fosse e compreendesse a grandeza do saber de interser. percebeu que jamais ficava só. pois havia o ar, as estrelas, e o luar. pernilongos e formigas fazem parte do grande tear.

no barulho do dia, ela se moveu como um Sol. brilhante e clara. seu riso era sonoro, seu mover, silencioso. quem a visse se encantava com os olhos profundos e a fala calma.

então, ele voltou e pediu perdão. perdão de que? de te ido? de ter feito sua vontade? de ter percorrido o mundo num só segundo? ele chorava e tremia, falava tudo que vira. guerras e aflições, fomes e convulsões, explorações e mentiras que levavam povos às guerras, à fome, à ruina.

ela ouvia e o embalava dizendo apenas: "isso passa".

mas para passar dói tanto, arrebenta, faz ferida.

"isso passa, veja a vida"

ele ergueu os olhos úmidos e percebeu que tudo luzia. as folhas nas árvores, o céu, as nuvens, até os carros.

ainda não convencido perguntou: "de que serve essa beleza se há dor, se há tumor, se há maldade, heresia?"

"serve para abrandar o seu dia"


(Monja Coen)